A autoria é dos arquitetos Álvaro Puntoni, Luciano Margotto Soares, João Sodré e Jonathan Davies.
Síntese e citações fazem homenagem à arquitetura moderna
Partindo de elementos francamente modernos, o projeto da sede do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), de autoria dos arquitetos Álvaro Puntoni, Luciano Margotto Soares, João Sodré e Jonathan Davies, tem acumulado prêmios e reconhecimento da crítica. E ao levar adiante o diálogo com diversas correntes arquitetônicas, parece colocar à prova as virtudes do desenho modernista e mostra rara força de expressão.
A sede do Sebrae em Brasília é um edifício atípico por várias razões. Em primeiro lugar, mesmo sendo a entidade privada, foi selecionado através de concurso público, realizado em duas fases e que contou com três finalistas, do qual saiu vencedora a equipe coordenada por Álvaro Puntoni, Luciano Margotto Soares, João Sodré e Jonathan Davies.
Se isso não bastasse, o prédio foi construído com rapidez, a ponto de ser finalizado na mesma gestão que o encomendou. “Quando fomos receber o prêmio, levamos um susto: já havia um contrato para o desenvolvimento do projeto”, lembra Puntoni.
Por outro lado, como sinal da potência que os concursos podem ter, antes mesmo de ser publicado o trabalho teve um reconhecimento quase instantâneo da crítica especializada: foi um dos vencedores do prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e escolhido por André Corrêa do Lago como o mais significativo edifício da década em sua categoria.
De fato, o projeto é intrigante. Como se fizesse uma homenagem à gênese da capital federal, o desenho parte de elementos francamente modernos, como pilotis, brise soleil e fachadas abertas x empenas.
De forma geral, o edifício possui dois tipos de espaços: os servidos e os servidores. Os espaços servidos apresentam flexibilidade de ocupação, graças à modulação generosa com vão de 9 x 7,5 metros. Nesse sentido, o prédio tem organização clara do ponto de vista vertical.
O ponto de partida é o térreo livre, que reinterpreta o piloti moderno: abaixo dele fica o térreo inferior, que concentra os ambientes utilizados para formação e treinamento. No núcleo, articulando o acesso e as salas de treinamento, está um grande vazio, um pátio aberto que é o coração do espaço.
Acima do piloti situam-se dois andares administrativos, divididos em duas partes pavilhonares, com escritórios sem pilares internos. Para essa área foi utilizada estrutura metálica, que contrasta com as empenas de concreto aparente dos espaços servidores.
Os espaços servidores, por sua vez, estão concentrados nas laterais, que ganham volume através de uma segunda empena interna (distante da primeira 3,75 metros).
A decisão de não levar a empena interna até a fachada confere mais leveza à composição final, mas também dificulta a leitura do partido. Os autores batizaram esses dois elementos laterais de “castelos de serviço”, que concentram a circulação vertical, a passagem de dutos e áreas de apoio.
Enquanto a primeira empena, ou castelo, segue o paralelismo do lote e da composição geral, a segunda, voltada para o norte, possui uma curva suave que faz o edifício ganhar um módulo a mais na fachada posterior. A curva é a esfinge do projeto.
Para os autores, ela “marca a singularidade desta construção, nem pretensiosamente palácio nem isolada, mas superfície convergente e multiplicadora da urbe, sua história, sua vida”. O gesto livre alimenta o debate crítico: “É do Luciano”, ouvi de um crítico; “É do Álvaro, querendo confundir a todos”, disse outro.
De todo modo, o elemento curvo é o que mais francamente sugere um diálogo com as curvas dos edifícios de Oscar Niemeyer ou do Plano Piloto de Lucio Costa.
Esse diálogo não para ai. Em primeiro lugar, o projeto parece querer colocar à prova todas as virtudes do desenho moderno, traduzindo conceitos como sinônimo de eficiência, seja no que diz respeito aos condicionantes ambientais ou à flexibilidade da ocupação. Detalhe: essa aproximação mais recorre a Rino Levi do que a Artigas ou Niemeyer.
Avançando nessa análise, mergulhando no diálogo entre passado e presente, é evidente a relação que os autores estabelecem entre a escola carioca e a escola paulista recente (leia-se pós-Mube).
Isso fica claro na divisão do projeto em duas partes – uma abaixo e outra acima do térreo -, tal como Puntoni já havia exercitado com Angelo Bucci no desenho da casa em Carapicuíba.
Mesmo que essa reinterpretação topográfica não esteja tão evidente nem o volume superior seja tão forte, a estratégia está presente na gênese da ideia do Sebrae e é corroborada pelo uso diferenciado do aço em cima e do concreto embaixo.
Nesse sentido, o edifício reinterpreta o uso do piloti, tão caro ao desenho de Brasília, fazendo um mix entre os ensinamentos das escolas carioca e paulista. Essa relação também perpassa a criação do pátio interno: se o âmago da escola paulista de outrora era caracterizado por generosos espaços interiores, cuja ideia é evidente no salão Caramelo da FAU/USP, na escola de Niemeyer a relação com a paisagem fala mais alto.
Assim, no Sebrae a equipe propõe um diálogo intermediário: o vazio interno se transforma em pátio aberto à paisagem ao mesmo tempo que pretende ser um espaço interno, parcialmente balizado por um elemento na altura da cobertura.
Ao colocar à prova diversos preceitos caros à produção arquitetônica nacional desde o desenho do Ministério da Educação e Saúde, o projeto é uma amostra do que poderia ser a arquitetura brasileira se tivesse mais oportunidade de se expressar.
Texto de Fernando Serapião
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 373 Março de 2011